Sunday, January 10, 2016

 

como amo essas raparigas naturais
que atravessam nuas os balneários do pavilhão
que estão nuas nos lagos e nas praias
que ostentam púbis como coroas de natal
nuas de cócoras com os cães
raparigas magérrimas a quem amantes chamam
little trouble girl
fugidias como lebres
figuras de culto entre os bustos nacionais
bêbadas como estrelas americanas
depois de três dias de sexo com camisinha nas dunas
pra lá da Fonte da Telha
a ver estrelas a cantar ícaros a fumar
como quis ser uma das que descem a Bica
como o Bom Jesus de Braga
enquanto comem bagas goji
que lhes caem dos bolsos dos casacos de camurça
que jejuam e bebem chá de salsa
que usam pêndulos de prata
que fazem cigarros com papel de arroz até à hora
de abertura dos kebabs
em baixo perto do rio
onde se sentam com amantes de outras eras
a falar de noites xamânicas em saguões
nutridas de outros futuros de outros
impossíveis
admirei de longe todas essas raparigas
que se debruçavam sobre histórias de índios e araras
que escreviam sobre a origem da vida
até à hora do cinema
e que faltavam ao cinema
tomadas por terrores cósmicos
premonições pré-apocalípticas
raparigas que não tinham corpos franzinos
que não estavam aprisionadas em corpos franzinos
e não explodiam toda a santa quinta-feira
signo peixes
ascendente em bon voyage
raparigas admiradas que sonhavam com tamanduás
esqueciam aniversários não iam aos lançamentos
que guardavam o que escreviam dentro do Ouolof
raparigas importantes
que viram a luz na zdb durante o set do Marfox
que se cruzaram com Jean-Pierre Léaud ele mesmo
que beberam do cálice sagrado do método
para vomitá-lo à entrada do Mahjong
que sublimaram os seus pavores abraçando deus
e a outra face
raparigas que não podes desonrar
que nunca arrancaram o coração de um bárbaro
que rebentam como botões na primavera de Berlim
totais como ranúnculos
cada uma um mistério que não podes
não deves desfazer.

Catarina Barros

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